sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Favas contadas


A volta do tucanato ao Planalto é só uma questão de tempo. Serra já está com os dois pés lá. Mesmo assim, a corrida presidencial no ano que vem deve reservar algumas peculiaridades e mostrar como funciona a lógica da agenda política dos grupos que se revezam no poder.


A vitória de José Serra na corrida presidencial do ano que vem são favas contadas. A imprensa já sabe, os tucanos já sabem, o PT já sabe. São as regras do jogo. Enquanto os brasileiros mais uma vez fingirão exercer a plena democracia, comparecendo às urnas em 2010, vale a pena alertar que os caciques dessa história já decidiram há muito a agenda política do país para os próximos anos.

Entre Dilma, Ciro e Marina, a petista deve ser escolhida para medir forças com o tucano no segundo turno. Por que ela? Porque representaria, em tese, a continuidade do governo “Lula Paz e Amor”. Mas todos sabem que ela não tem a menor chance. O PT sabe. Por isso, justamente, escolheu a “mãe do PAC” como sua canditada. Ela será o boi de piranha, o voto vencido nessa lógica de revezamento no poder, polarizado desde os início dos anos 90 entre PT e PSDB - uma versão pós-moderna da política do Café com Leite.

Se todos sabem que Dilma não chegará ao Planalto em 2010, por que o partido a escolheu? Primeiro: porque quase todos os outros tubarões que poderiam figurar nessa corrida foram envolvidos em escândalos (José Dirceu, Antônio Palocci). Segundo: já que o PT sabe que chegou a vez de Serra, que não terá chances no ano que vem, melhor queimar seu cartucho com um candidato sem passado político, marinheiro de primeira viagem. Dilma será o sparring de Serra.

Mas, para chegar até o segundo turno, Dilma travará uma boa briga com Marina. Segundo escreveu André Forastieri em seu brilhante blog, Marina é o nosso Obama. A candidata que poderia representar a mudança para um modelo de política, digamos, mais progressista, humanista, popular, inclusiva. Marina é hoje a “esquerda da esquerda” (muitas aspas nessa hora). É uma das poucas que não topou vender suas convicções em troca da permanência na máquina do governo. Pauta-se pela coerência, pela ética. Será a oposição de quem sempre se acostumou a ser oposição. Justamente por isso, deve levar uma boa parcela dos votos que iriam para Dilma. Deve angariar grande parte do eleitorado que se sentiu traído pelos desvios que o PT e o presidente “precisaram” realizar para se manter no poder. Os votos da comunidade evangélica também são delas.

Ainda tem o Ciro, candidato aguerrido. Eleição após eleição, vai demarcando o território, sedimentando seu espaço, seu nome, sua marca. É o marido da Patrícia Pillar. Esteve ao lado da atriz em sua luta pelo câncer. O povo conhece a história. É um canditato com apelo, tem carisma e garra para brigar. Pode ser uma alternativa para aquela fatia da classe média que não gosta do José Serra e tem horror a tudo que representam as mulheres da “esquerda” (sempre as aspas) - sem mencionar Heloísa Helena, que também é boa de briga.

Mas, decididamente, chegou a vez de José Serra. O desafio é saber como o país e a comunidade internacional irão reagir a essa troca de figuras. Poucas vezes o Brasil esteve tão presente na pauta mundial. É o país da moda. Os principais estadistas do planeta se acostumaram a reverenciar o carisma e a liderança de Lula. É o homem da vez, a voz da América Latina e de um país com ganas de ingressar no bloco dos países desenvolvidos para não mais sair. É o homem que pode aplacar o fogo revolucionário de Hugo Chávez.

Com o Serra vai se portar? Será que ele terá a mesma sorte, presença de espírito, eloquência, carisma, jogo cintura, marketing pessoal e malandragem de Lula?

Dificilmente algum político terá, no curto prazo, a mesma aprovação e simpatia no Brasil e no mundo. Principalmente com a proximidade da Copa de 2014 e das Olimpíadas de 2016, o país nos próximos anos deve viver como nunca a ilusão ufanista de que “chegou a sua vez”. Seria mesmo o Brasil o país do futuro? Lula soube, como poucos, conduzir essa ilusão, essa utopia. Soube convencer o Comitê Olímpico Internacional que o Rio está apto a receber os jogos Olímpicos (santo absurdo!). Mas Serra é austero, é preto no branco, low profile . Não é a cara do Brasil.

Quais podem ser as consequências disso? Se não for bem, Serra ficará apenas um mandato. Para dar lugar a quem? Lula, novamente, mais messiânico do que nunca, voltando nos braços do povo. Uma espécie de “Second Come”.

Governando durante o período da Copa e das Olimpíadas, é razoável pensar que Lula poderia se tornar um dos 3 homens mais influentes do planeta. Obviamente, os tucanos não querem permitir tal façanha. Após 8 anos longe do Planalto, querem garantir, no mínimo, mais 8 anos de hegemonia.

Talvez essa seja a única incógnita a ser resolvida nos próximos anos – se Serra ficará um ou dois mandatos. O resto do jogo já está combinado por todas as partes envolvidas. Isso se chama agenda política. São cartas marcadas, favas contadas. O PT sabe, o PSDB sabe, a imprensa sabe. E, agora, você também já sabe.